Também sou estudante, mas a vida fez de mim aluno repetente. Ou nasci repetente, é isso. Torno a fazer sempre o mesmo vestibular, pago invariavelmente a mesma correção monetária, e só gosto de escrever sobre as eternas mesmas coisas, que são poucas e mínimas.
Ser aluno repetente, viu? é uma forma de saber mais do que os outros, embora não sabendo nada de novo. Ou melhor, nada de nada. Se você não entende esta sabedoria canhota, nem eu. Mas dá para viver, sem as aflições e cortes do circuito do ativismo. Olhe, o gafanhoto me fascina, se pousa nesta poltrona, vindo de onde? e a viagem em redor do mundo me deixa inapetente. Nem precisa que o gafanhoto pouse. Basta figurá-lo, pensar o gafanhoto. Entro no escuro, acendo a luz: lá está ele. Também pode ser o contrário: é apagar a luz e sinto que, sutil, o gafanhoto vem me visitar.
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E, pessoalmente, serei mais uma vez reprovado...
Não que eu deteste a reprovação, fique sabendo. Todas as vezes (raras) em que alguém me aprovou, experimentei uma espécie de remorso. Estava traindo a minha natureza.
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Confesso que meu trabalho de ser é afetado pela necessidade de dar satisfação aos outros, seja sob a forma de deveres políticos e sociais, seja para explicar por que não admiro, digamos, os filmes de Bergman. Cercado de prazos, papéis, condicionamentos, cortesias e outros empecilhos, não sei me explicar bem. Donde os juízos críticos: É selvagem, é pueril, é espertíssimo, está escondendo alguma coisa.
A tal ponto, ouviu? que costumo procurar em toda espécie de bolsos que a gente carrega, e não encontro, aquilo que devo estar escondendo.
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Carlos Drummond de Andrade
Boca de Luar