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segunda-feira, 16 de maio de 2022

Dois e dois: quatro (De dentro da noite veloz, 1975, Ferreira Gullar)

 


Como dois e dois são quatro 
Sei que a vida vale a pena 
Embora o pão seja caro 
E a liberdade pequena 
Como teus olhos são claros 
E a tua pele, morena 
como é azul o oceano 
E a lagoa, serena 
Como um tempo de alegria 
Por trás do terror me acena 
E a noite carrega o dia 
No seu colo de açucena 
– sei que dois e dois são quatro 
sei que a vida vale a pena 
mesmo que o pão seja caro 
e a liberdade pequena.

Traduzir-se (Ferreira Gullar, Na vertigem do dia, 1980)

 

Uma parte de mim
é todo mundo;
Outra parte é ninguém;
fundo sem fundo.

Uma parte de mim
é multidão;
Outra parte estranheza
e solidão.

Uma parte de mim
pesa, pondera;
Outra parte
delira.

Uma parte de mim
almoça e janta;
Outra parte
se espanta.

Uma parte de mim
é permanente;
Outra parte
se sabe de repente.

Uma parte de mim
é só vertigem;
Outra parte
linguagem.

Traduzir uma parte
na outra parte
 - Que é uma questão
de vida ou morte -
Será arte?