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quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Trapo

O dia deu em chuvoso.
A manhã, contudo, esteve bastante azul.
O dia deu em chuvoso.
Desde manhã eu estava um pouco triste.

Antecipação! Tristeza? Coisa nenhuma?
Não sei: já ao acordar estava triste.
O dia deu em chuvoso.
Bem sei: a penumbra da chuva é elegante.
Bem sei: o sol oprime, por ser tão ordinário, um elegante.
Bem sei: ser suscetível às mudanças da luz não é elegante.
Mas quem disse ao sol ou aos outros que eu quero ser elegante?
Dêem-se o céu azul e o sol visível,
Névoa, chuva, escuros - isso eu tenho em mim.

Hoje quero só sossêgo.
Até amaria o lar, desde que não o tivesse.
Chego a ter sono de vontade de ter sossêgo.
Não exageremos!
Tenho efetivamente sono, sem explicação.
O dia deu em chuvoso.

Carinhos? Afetos? São memórias...
É preciso ser criança para os ter...
Minha madrugada perdida, meu céu azul verdadeiro!
O dia deu em chuvoso.

[...]

O dia deu em chuvoso.

Álvaro de Campos

10-9-1930

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