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sábado, 5 de março de 2016

"Às noites, tornava a sentir a velha vontade de me matar. Uma vontade quase lírica, sem possibilidades de realização, decerto, mas que voltava a me tomar longas horas nas insônias; via o veneno no frasco, imaginava o golpe seco do punhal, depois a felicidade de ir me extinguindo, de sentir a vida fugindo devagarinho, como o sangue a pingar do pulso navalhado.
Para mim, pobre pequena, que na idade dos sonhos e das esperanças não sentia mais esperanças nem sonhos e me via num desespero gratuito, inteiramente só no mundo imenso, sem solução e sem destino, a morte parecia o porto, a tranquilidade, o limite. O que é difícil, entretanto, é me explicar direito, porque o tema já traz em si uma carga centenária de banalidade, é uma espécie de lugar-comum da tristeza humana, literária ou vivida.
Na morte voluntária, o que sempre me apavorou, naquele tempo como hoje, é essa tragicômica publicidade que a reveste. E a mim que sempre tive tão profunda aquela necessidade da morte, sempre me inspirou horror a ideia de dar também espetáculo para a plateia que fica, do odioso sensacionalismo do gesto, que é como um impudor póstumo.
E porque não me esquecia disso, cuidava então nas mortes discretas [...]

Rachel de Queiroz - As Três Marias [1939]


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