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quinta-feira, 14 de novembro de 2019

Sobre amor e educação

"Não há diálogo, porém, se não há um profundo amor ao mundo e aos homens. Não é possível a pronúncia do mundo, que é um ato de criação e recriação, se não há amor que a infunda".

"Porque é um ato de coragem, nunca de medo, o amor é o compromisso com os homens. [...]. Como ato de valentia, não pode ser piegas" (p.110)

Paulo Freire, Pedagogia do Oprimido (1967).
Dedicatória de Pedagogia do Oprimido:

Aos esfarrapados do mundo e ao que neles
se descobrem e, assim, descobrindo-se, com eles
sofrem, mas, sobretudo, com eles lutam.


Paulo Freire, 1967


segunda-feira, 19 de agosto de 2019

o avesso das cidades

Continuei por semanas minha romaria pelo avesso da cidade, explorando livremente todas as brechas, quase invisíveis para quem vive na superfície, pra cá e pra lá, às vezes à tona e de novo pro fundo, rodoviária, vilas, sebos e briques, alojamentos, pronto-socorro, portas de igrejas, de terreiros de candomblé, procurando meus iguais, por baixo dos viadutos, das pontos do arroio Dilúvio, nas madrugadas, sobrevivente, sesteando nas praças e jardins, debaixo dos arcos e marquises, sob as cobertas das paradas de ônibus desertas, vendo o mundo de baixo para cima, dos passantes apenas os pés.



Quarante Dias
Maria Valéria Rezende, 2014

domingo, 14 de julho de 2019

um problema com o ser-se velho é o de julgarem que ainda devemos aprender coisas quando, na verdade, estamos a desaprendê-las, e faz todo o sentido que assim seja para que nos afundemos inconscientemente na eminência do desaparecimento.

valter hugo mãe, a máquina de fazer espanhóis, [2010], 2011, p. 33

sexta-feira, 12 de julho de 2019

Literatura portuguesa

Gil Vicente (1465-1536)
- Auto da Barca do Inferno -1517

Luiz Vaz de Camões (-1580)
- Os Lusíadas -1572

Padre Antonio Vieira (1608-1697)
- Sermões - 1679

Eça de Queiroz (1845-1900)
- Os Maias -1888

Fernando Pessoa (1888-1935)
- Mensagem -1934

Mario de Sá-Carneiro (1890-1916)

Almada Negreiros (1893-1970)

Florbela Espanca (1894-1930)
- Livro de Mágoas -1919

Miguel Torga (1907-1995)
- A Criação do Mundo - 1937
- Prêmio Camões em 1989

Sophia de Mello Breyner Andresen (1919-2004)
- Prêmio Camões em 1999

José Saramago (1922-2010)
- O ano da morte de Ricardo Reis -1984
- A Jangada de Pedra -1986
- O evangelho segundo Jesus Cristo -1991
- Ensaio sobre a cegueira -1995
- Prêmio Nobel em 1998

Agustina Bessa-Luís (1922-2019)
- A Sibila, 1954

Antonio Lobo Antunes (1942-)
- Os cus de Judas - 1979

Valter Hugo Mãe (1971)
- A máquina de fazer espanhóis




"Gostar é provavelmente a melhor maneira de ter, ter deve ser a pior maneira de gostar."

O Conto da Ilha Desconhecida - José Saramago

domingo, 16 de junho de 2019

A morte, afinal, é uma corda que nos amarra as veias. O nó está lá desde que nascemos. O tempo vai esticando as pontas da corda, nos estancando pouco a pouco.

Terra Sonâmbula, Mia Couto, 1992

domingo, 26 de maio de 2019

Mãos dadas

Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros.
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considero a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.

[...]
O tempo é minha matéria, o tempo presente, os homens presentes,
a vida presente.


Carlos Drummond de Andrade, Sentimento do Mundo, 1940

segunda-feira, 29 de abril de 2019

A gazela e o leão

Todas as manhãs a gazela acorda sabendo que tem que correr mais veloz que o leão ou será morta. Todas as manhãs o leão acorda sabendo que deve correr mais rápido que a gazela ou morrerá de fome. Não importa se és um leão ou uma gazela: quando o Sol desponta o melhor é começares a correr.

Provérbio Africano
In: A confissão da Leoa
Mia Couto, 2012

sábado, 23 de março de 2019

Grande Desejo (Adélia Prado)

Não sou matrona, mãe dos Gracos, Cornélia,
sou é mulher do povo, mãe de filhos, Adélia.
Faço comida e como.
Aos domingos bato o osso no prato pra chamar o cachorro
e atirar os restos.
Quando dói, grito ao,
quando é bom, fico bruta,
as sensibilidades sem governo.
Mas tenho meus prantos,
claridades atrás do meu estômago humilde
e fortíssima voz para cânticos de festa.
Quando escrever o livro com meu nome
e o nome que eu vou pôr nele, vou com ele a uma igreja,
a uma lápide, a um descampado,
para chorar, chorar, e chorar,
requintada e esquisita como uma dama.

Adélia Prado, Bagagem, 1976

terça-feira, 5 de março de 2019

Casamento (Adélia Prado)

Há mulheres que dizem:
Meu marido, se quiser pescar, pesque,
mas que limpe os peixes.
Eu não. A qualquer hora da noite me levanto,
ajudo a descamar, abrir, retalhar e salgar.
É tão bom, só a gente sozinhos na cozinha,
de vez em quando os cotovelos se esbarram,
ele fala coisas como 'este foi difícil'
'prateou no ar dando rabanadas'
e faz o gesto com a mão.
O silêncio de quando nos vimos a primeira vez
atravessa a cozinha como um rio profundo.
Por fim, os peixes na travessa,
vamos dormir.
Coisas prateadas espocam:
somos noivo e noiva.


Adélia Prado (MG, 1935-)

terça-feira, 26 de fevereiro de 2019

Insônia

A chuva cai forte, mas não é capaz de acalmar meu sangue que corre rápido. como corre rápido. fico pensando, desde quando? quem sabe esse pensamento é bom pra fazer dormir. corre assim desde quando eu ouvia os pingos fortes de chuva pela janela da casa da minha avó, e torcia para cair um dilúvio pois, se assim fosse, o pequeno córrego que cruzava a rua poderia ter peixes. não durmo. desde quando eu já madrugava para ir para escola, isso já maior, quando já morava com meu pai, e já que tinha que acordar cedo, já praticamente não dormia, gastava cartelas e cartelas de pilha fazendo aquele discman rodar, já que. que perturbada que eu era. desde quando? desde quando eu subia no último andar do prédio e pensava o que aconteceria se eu caísse? mas eu sabia que não ia cair, eu sempre soube. mas o sangue correndo rápido. desde quando eu confrontei o cara do sebo dizendo eu não tenho nenhum interesse por pequeno príncipe ou fernão capelo gaivota. eu quero ler Virginia Woolf. eu já sofria, sabe-se deus porque. e o sangue já corria assim. e eu buscava algum consolo. o livro do desassossego. foi o que o psiquiatra me receitou hoje. vá ler o livro do desassossego. e eu disse, eu já li. e ele ficou assim, meio sem saber o que dizer. e eu disse, e acho que se fernando pessoa tivesse tomado anti-depressivo não teria feito aquela obra. ele teria sofrido menos. disse meio ressentida. não sei se chegou a ser uma piada. acho que eu tentei ser simpática. e o psiquiatra ficou me olhando, meio sem saber, já abrindo a porta porque psiquiatra do convênio sempre tem sala cheia. e nada do meu sono, esses pensamentos não estão bons para dormir.  pode um sofrer valer a pena? não se trata de utilidade, se trata de condição. quem tem assim o sangue correndo rápido, sofre, chora e ainda não dorme. aceite-se. desde quando eu olhava a porta de madeira, de novo volto para a casa da minha avó, outro pensamento, eu olhava a porta de madeira do banheiro, de noite, e via um desenho lá. e eu achava que era uma santinha, e ela me protegia. mas eu tentava entender, se deus tem uma mão para cada criança, quantas mãos ele teria? não, aquilo não fazia tanto sentido, mas era melhor não desconfiar. e isso era quando eu não conseguia dormir. a minha bisinha  me ensinou a rezar pra dormir "com deus me deito, com deus me levanto, com a graça de deus o espírito santo". já tentei hoje várias vezes, não funciona. desde quando eu escrevia, escrevia, escrevia loucamente, já no ensino médio, e eu guardei todos esses escritos perturbados e quentes, e anteontem abri essa caixa cheia de pastas cheias de escritos e meu sangue correndo rápido, e o coração batendo bum bum bum, porque tanto? há quanto tempo tanto? me sinto cansada, queria dormir, e aqueles escritos desenhados em letra rápida, é um passado que eu quis guardar, mas ele vive aqui, correndo rápido meu sangue de madrugada. desde quando?