Richard
Hoggart é reconhecido no Brasil por ser um dos fundadores dos Estudos Culturais.
Juntamente com Raymond Williams e Edward Thompson, fundaram em 1964 o Centro
Contemporâneo de Estudos Culturais (Centre for Contemporary Cultural Studies - CCCS),
na Universidade de Birmingham, na Inglaterra. O centro tornou-se referência
mundial, realizando pesquisas sobre cultura erudita, popular e massiva por meio
de abordagens interdisciplinares que reuniram estudos literários, sociologia e
antropologia. O Centro agregou outros intelectuais de peso como Paul Willis e
Stuart Hall, cuja morte em 2014 foi bastante divulgada no Brasil.
Ao pesquisar a
data de falecimento de Richard Hoggart na internet, qual não foi a minha
surpresa ao descobrir que esse ilustre professor de literatura também faleceu
recentemente? Pois é, Richard Hoggart
morreu aos 95 anos no dia 10 de abril de 2014, fato que passou praticamente
despercebido.
Isso possivelmente
se explica pela pouca presença de sua obra no Brasil. Apesar da multiplicação
de disciplinas e cursos sobre Estudos Culturais em diferentes faculdades e
cursos de pós-graduação – espaços nos quais Hoggart é sempre mencionado como um
“fundador” – sua obra é muito pouco lida entre nós.
Salvo engano, seu
único livro traduzido para o português é The
Uses of Literacy (cujo original é de 1957), por uma editora portuguesa (Editorial Presença) em 1973, cujo
título ficou As utilizações da cultura:
aspectos da vida da classe trabalhadora, com especiais referências a
publicações e divertimentos.
Nessa obra, Hoggart analisa as transformações
que ocorreram na cultura das classes proletárias inglesas a partir da
introdução de publicações de massa, como livros, jornais, revistas e até
canções. Contextualizado no pós-guerra, um dos destaques da obra é que a
pesquisa é em grande parte orientada pelas próprias experiências de Hoggart, já
que compartilhava dessa origem social, tendo passado sua infância em um bairro
operário na cidade de Leeds, na Inglaterra.
Com descrições cuidadosas
do cotidiano das famílias operárias pesquisadas, Hoggart analisa a importância
do trabalho, do lar, do bairro e da vizinhança, aproximando-se de um olhar
etnográfico. Por ter vivenciado muitas das experiências cotidianas que analisa,
sua interpretação sobre a penetração das publicações de massa na cultura
proletária inglesa é ao mesmo tempo crítica e compreensiva. Hoggart, por um
lado, se lamenta pela qualidade dessas publicações – repletas de “lugares
comuns” e linguagem estereotipada -, as quais estariam substituindo a cultura
proletária por uma cultura de massas. Por outro lado, o autor reconhece que
diante das dificuldades da vida, as emoções e valores já conhecidos, mesmo que
simples, permanecem despertando sentimentos naqueles trabalhadores. São com as
seguintes palavras que Hoggart, após analisar algumas canções românticas,
conclui o livro:
Um “coração sensível” é talvez
piegas e sentimental, mas não é coisa para desprezar. A maioria dessas canções,
nas letras, nas melodias e na maneira como são cantadas, constituem a expressão
de um “coração sensível”. Tocam velhas teclas, referem-se a valores que
continuam a ser aceites. A vida lá fora, a vida da segunda-feira é muito dura:
mas, “ao fim e ao cabo” são estes os verdadeiros sentimentos. As canções
contribuem para alegrar e encorajar os seus ouvintes, e os sentimentos que
exprimem permanecem ocultos num cantinho da memória, durante uma semana de
trabalho muito terra a terra e da qual está ausente o sentimentalismo (Hoggart,
1973, p. 201)
Desse modo, The Uses of literacy resultou em uma
obra sensível e pioneira.
Contudo, conforme
Maria Elisa Cevasco chama a atenção no livro “Dez lições sobre os estudos
culturais” (Boitempo Editorial, 2003) a obra de Hoggart não teve o mesmo fôlego
teórico como de outros parceiros do Centro, Raymond Williams por exemplo. Ainda
assim, trata-se de uma obra composta por mais de 15 livros, que debatem sobre
mídias, educação e literatura, com inegável interesse para pesquisas na área dos estudos culturais.