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quarta-feira, 26 de novembro de 2014

Richard Hoggart (1918-2014) - um coração sensível


            Richard Hoggart é reconhecido no Brasil por ser um dos fundadores dos Estudos Culturais. Juntamente com Raymond Williams e Edward Thompson, fundaram em 1964 o Centro Contemporâneo de Estudos Culturais (Centre for Contemporary Cultural Studies - CCCS), na Universidade de Birmingham, na Inglaterra. O centro tornou-se referência mundial, realizando pesquisas sobre cultura erudita, popular e massiva por meio de abordagens interdisciplinares que reuniram estudos literários, sociologia e antropologia. O Centro agregou outros intelectuais de peso como Paul Willis e Stuart Hall, cuja morte em 2014 foi bastante divulgada no Brasil.
Ao pesquisar a data de falecimento de Richard Hoggart na internet, qual não foi a minha surpresa ao descobrir que esse ilustre professor de literatura também faleceu recentemente?  Pois é, Richard Hoggart morreu aos 95 anos no dia 10 de abril de 2014, fato que passou praticamente despercebido.
Isso possivelmente se explica pela pouca presença de sua obra no Brasil. Apesar da multiplicação de disciplinas e cursos sobre Estudos Culturais em diferentes faculdades e cursos de pós-graduação – espaços nos quais Hoggart é sempre mencionado como um “fundador” – sua obra é muito pouco lida entre nós.
Salvo engano, seu único livro traduzido para o português é The Uses of Literacy (cujo original é de 1957), por uma editora portuguesa (Editorial Presença) em 1973, cujo título ficou As utilizações da cultura: aspectos da vida da classe trabalhadora, com especiais referências a publicações e divertimentos.
 Nessa obra, Hoggart analisa as transformações que ocorreram na cultura das classes proletárias inglesas a partir da introdução de publicações de massa, como livros, jornais, revistas e até canções. Contextualizado no pós-guerra, um dos destaques da obra é que a pesquisa é em grande parte orientada pelas próprias experiências de Hoggart, já que compartilhava dessa origem social, tendo passado sua infância em um bairro operário na cidade de Leeds, na Inglaterra.
Com descrições cuidadosas do cotidiano das famílias operárias pesquisadas, Hoggart analisa a importância do trabalho, do lar, do bairro e da vizinhança, aproximando-se de um olhar etnográfico. Por ter vivenciado muitas das experiências cotidianas que analisa, sua interpretação sobre a penetração das publicações de massa na cultura proletária inglesa é ao mesmo tempo crítica e compreensiva. Hoggart, por um lado, se lamenta pela qualidade dessas publicações – repletas de “lugares comuns” e linguagem estereotipada -, as quais estariam substituindo a cultura proletária por uma cultura de massas. Por outro lado, o autor reconhece que diante das dificuldades da vida, as emoções e valores já conhecidos, mesmo que simples, permanecem despertando sentimentos naqueles trabalhadores. São com as seguintes palavras que Hoggart, após analisar algumas canções românticas, conclui o livro:

Um “coração sensível” é talvez piegas e sentimental, mas não é coisa para desprezar. A maioria dessas canções, nas letras, nas melodias e na maneira como são cantadas, constituem a expressão de um “coração sensível”. Tocam velhas teclas, referem-se a valores que continuam a ser aceites. A vida lá fora, a vida da segunda-feira é muito dura: mas, “ao fim e ao cabo” são estes os verdadeiros sentimentos. As canções contribuem para alegrar e encorajar os seus ouvintes, e os sentimentos que exprimem permanecem ocultos num cantinho da memória, durante uma semana de trabalho muito terra a terra e da qual está ausente o sentimentalismo (Hoggart, 1973, p. 201)

Desse modo, The Uses of literacy resultou em uma obra sensível e pioneira.


Contudo, conforme Maria Elisa Cevasco chama a atenção no livro “Dez lições sobre os estudos culturais” (Boitempo Editorial, 2003) a obra de Hoggart não teve o mesmo fôlego teórico como de outros parceiros do Centro, Raymond Williams por exemplo. Ainda assim, trata-se de uma obra composta por mais de 15 livros, que debatem sobre mídias, educação e literatura, com inegável interesse para pesquisas na área dos estudos culturais.



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