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terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Sobre homens e vira-latas

Vivo com um homem e um cão.
Sou fiel.

(Às vezes, caminhando na rua, sinto uma ternura por algum que está vagando, com fome, com frio, triste. Ah! Como ele seria feliz comigo...
Mas me conformo, na minha casa os espaços já foram preenchidos.)

sexta-feira, 22 de maio de 2009

Chiquilinas

Eram quatro.
Uma, outra, outra e outra.
Muitas, poucas.
Eram lindas e pobres.
Roupas rotas e conversa solta,
eram nobres.
Um barraco, alguns cachorros, nenhuma escova de dente,
Futuro incerto.
Elas me pediram um presente.

domingo, 5 de abril de 2009

Cigarros (não) preenchem o esvazio existencial.

quarta-feira, 18 de março de 2009

Estigma II

Triste de quem nunca falou C quando deveria dizer 3
Como as pessoas são apegadas às expectativas!
Eu, que também sou triste, freqüentemente digo 138, A com J, macaco com doce de abóbora, quando na verdade esperavam ‘sou ótima sou genial’.
Sou triste, mas não sou genial, e também não sou tão triste assim.
Sou normal, e isso me faz feliz. Não quero ser melhor do que ninguém, por mais que às vezes eu de fato o queira.
Quero apenas condenar, chamando-os de triste, aqueles que me condenaram, quando eu disse C ao invés de dizer 3.
Era só isso...

Desculpem-me!

Te Conto

A cabeça. A minha, mistura tudo. Porém, não se preocupem, está tudo bem. (Digo isto apenas para tranqüilizá-los, mas quem me conhece sabe que assim apenas é normal.) Ouço um CD. Depois de um quase pânico, consegui fazer o rádio tocar. E mesmo com a música, ainda mais tudo se mistura. Imagens de homens. Meus futuros maridos. Lembranças de sonhos, meus futuros destinos. Alertas de imprevisibilidades, minha próxima conduta.
Preciso aprender a ser Zen! (Lembro de quem sou, levanto ironicamente o canto do lábio esquerdo junto com uma sopradinha pelo nariz) É isso mesmo, torna-se necessário que a Srta. desfaça-se dessas projeções confusas! (Resolvo, vai, tudo bem, ouvir o que minha cabeça diz).
Abaixe! (Abaixo o som)
Ouça o barulho dos grilos! ( Ouço o dos grilos e o do mar)
Olhe para o céu e dê um suspiro! ( Levanto-me, vou até a varanda)
Medite! (Retorno e acendo um cigarro)

- Tenha paciência minha cara, as coisas não são tão simples assim!

Sento no sofá, então, e apenas vejo de relance a troca de cores que exala da televisão. Meu olhar congela. Passa a ver as sombras. Lembro da minha infância. Acho que nunca gostei muito da programação, nunca fui fã de nenhum desenho animado, sempre fiquei de fora desses papos no recreio da escola.
Aconchego-me entre as almofadas. Imagino-me uma gata vira-lata de boa família, esperta e bem cuidada. Nunca fresca. Acho que eu seria feliz. Acho que sou feliz...
(Talvez eu quereria ser uma gata cantora! Frustraría-me com a impossibilidade! Dispararia a comer, a ração minha e a carne moída do gato do vizinho! Desenvolveria um câncer num lugar qualquer!! Morreria numa almofada forrada no fundo da lavanderia!!!)
Mudo minha posição no sofá. Inquieto-me. Sento. Olho pela janela aberta e vejo a igrejinha iluminada do outro lado do rio. Tem missa. Eu não estou nela. Eu não estaria. Estou sentada no sofá. Lembro que o rádio toca, Gal Costa. Uma sensação de quase liberdade torna-me mais leve por este instante. Ela grita, quase desafinando, como eu, mas sendo ela, é quase para nunca.
E já que sou um ser humano (não um gato) capaz de apertar o botão e voltar a faixa, o que adicionado a capacidade de memorização, possibilita que eu cante, para ninguém ouvir. (Vim apenas comigo mesma para a praia).
Solto a voz: "Dessa janela sozinha,
Olhar a cidade me acalma,
Rio e também posso chorar!
Rio e também, posso chorar!
Mas tenho os olhos tranqüilos..."

Canto três vezes. Mais uma. É como se a música me pertencesse. "Dessa janela sozinha". "Dessa janela sozinha". "Dessa janela sozinha". Ahhhhh!
Desligo o rádio.
Ouço novamente os grilos e o mar. Esvazio o cinzeiro. Lembro porque comecei a escrever: porque queria te contar: te contar que não sou capaz de te por num conto. Não que você já seja muito para mim, simplesmente por me sentir insegura, sabendo que você já se auto-conta muito bem.
Talvez eu esteja só tentando te copiar. Mostrar que também posso.
Desculpe-me.
Desculpe-me mais ainda se eu te contar que meu telefone acabou de tocar, era um professor meu dizendo que descobriu que preciiiisa sair comigo. Pensei no momento o mesmo que pensei quando te conheci - será que casaríamos? Desculpe-me novamente. Sei que o nosso já está até marcado. Mas porquê, se já te contei todos os motivos do nosso divórcio? E as outras razões você já deve estar imaginando...
E agora se eu ainda retirasse meu pedido cordial? Se eu olhasse feio para a tua cara? Se eu te mostrasse a língua? Sem sorrir depois.
Te enfrento. Pelo simples fato de saber que mesmo assim você me entenderia.
Já conversamos sobre isso.
Mordo a unha do meu polegar direito. Os períodos noturnos me fazem ser estranha. Retiro o estranha e deixo uma lacuna para o adjetivo que você procurava aquela noite para me descrever.
Mordo agora a do indicador direito. Olho a TV muda, com superioridade. Sinto-me forte e impenetrável... - Interrupção da minha naturalidade - há um barulho na porta! Estou sozinha! A casa aqui da praia é no meio do mato.
Alguém atrás do vidro. Não olho. O noticiário mental já dispara: milhares de estupros neste ano. Em todos. Cenas realmente horrorizantes.
Não olho. Pelas costas, vejo que a pessoa tenta comunicação. Meu nome é anunciado. A voz é a sua. Vou andando, ainda de costas. Louca. Venho balançando a cabeça. Viro-me. Abro a porta com o pé. Dou um beijo na tua barriga. Puxo o seu nariz, até a mesa de jantar. Uma garrafa de vinho nos aguardava. Planto uma bananeira. Refaço-me e subo para o quarto, logo tirando a roupa. Quero que você me queira sexualmente falando, mas temo que eu esteja tendo alucinações. Seus olhos vem pela escada, na frente, claros, belos e assustados. Seu membro masculino chega logo após, já ereto. Depois do vácuo, chega a sua compreensão. Fim da minha alucinação. De qualquer maneira, já estou nua na cama.
Seus olhos me penetram Nosso gozo é uma lágrima, e isto é a realidade mesmo. Uma lágrima de alegria carente, aquela que cai quando todos os escudos são postos ao pé da cama, e em cima dela não há pus, nem sangue, nem feridas.
Recebo um beijo entre as sobrancelhas. Dorme! Dormiu! Feito criança, até baba no meu travesseiro. Ponho mais um cobertor sob seu corpo e desço as escadas.
Não há mais solidão! Não houve estupro! Este é o balanço final da situação. Já estou no sofá, bebendo um chá de camomila, há 5 anos. Nosso filho chora porque também quer. Acordou e quer. A água já está fervendo. Acho que ele percebe minha tristeza, amanhã vou pedir o divórcio. Pego aquele CD da Gal que não ouvimos há tempos. Sinto-me melancólica. Será? "Baby te amo, nem sei se te amo..." Quero o divórcio! O meu não saber já levou tempo demais. O seu me conhecer já foi fundo de mais, e você sempre soube os motivos que nos levariam a esse fim. Mas você dorme... E não sabe de nada.
Amanhã, quando você acordar, as coisas mudarão. E eu finalmente entregarei o teu conto. Lá estará magnifica e poeticamente explicado como a minha cabeça, desde sempre, mistura tudo. Coisas que aqui, por insegurança, não te conto.

Sábado, 23:23h

Urbanamente selvagem,
Num beco cheio de mosquitos e cigarras e estrelas, imaginárias.
Saio para vê-las, da janela do meu apartamento,
Meu rosto pra fora,
Bate um vento, lento... não, mentira, não sinto nada agora...
Talvez, um sinto muito,
E peço tua ajuda,
Lá longe,
Possivelmente no meio da floresta,
Entre barracos e traficantes e putas e putos,
Eu estaria lá?
Eu sinto sim,
Por estar nessa situação,
Por ter que abusar das imagens e indevidamente da ação.
Logo, proposição: por ser essa porra.

Masmorra,
No meio da avenida,
Tida como linda,
Eu e ela,
E os carros passam por cima de nós.
A sós,
Madrugada,
Gelada,
Eu e ela, e minha geladeira
Cheia de cervejas e solidão...
Quer saber: Quer mesmo:
Vão, que todos saiam e nos deixem,
Poeirentas e confusas,
Difusas,
Fuja, vá.
Vá, vá, fique!
Que se deixar abuso,
É?
Quer ficar? Então ouça e não grite.
Apenas compreenda,
Pois eu estou aqui – isso não basta?
Com um cigarro na mão.
Isso te mata?
Dá-te ódio?
A mim também
Bem, eu sei, faz mal.
Acendo outro, e daí?
Problemas...
Velhos e chatos dilemas
Chegam a perder a graça...
Chega? Vamos? Sairemos?
Com ou sem, migo ou contigo?
Consigo? sigo meus bichos,
Rio e arrisco, arisca, mio,
E você... não sabia... de todas essas, essas...
Selvagerias...
É baby, cavalos correm por meus campos,
Melancólicos, bucúlicos,
E chega de Bukowski,
Já disse que não pode, não dá.
Seria suicídio, já foi, ainda é.
Sempre será? Será?
Diz ele irônico
Quem saberá?
Muito menos nós
Tolos
Bobos
Todos?
Há! Há! Há!
Na verdade, são lobos que correm,
E deve ser noite de lua cheia,
Não vejo porque no prédio da frente, no andar acima do meu, tem um outro apartamento, uma mulher que assiste novela,
Mas eles uivam, ouço por trás do barulho daquela televisão, uivam.
...
Eu gosto do teu senso de humor
Aliás, é só isso,
Só isso que posso,
Só isso que forço,
Isso que agüento.
Querido, tá, eu paro de falar, de pensar, de nos matar.
Antes,
Suspiro, sobrevivo e lamento.
Depois, te olho, te falo:
Desculpe-me.
E agora vamos que estou mais calma.
Mas espere aí! Vou por uma blusa mais clara.
(19/02/2005)

Carolina

Nua, Carolina caminha até a cozinha e pega um copo d’água. O barulho das crianças que brincam lá embaixo sob o sol de outono, a furadeira que concerta algo no andar de cima e os passarinhos que cantam do outro lado da rua, fazem com que seus passos sejam mais lentos. Ela ouve o mundo porque desligou o rádio. Ela desligou o rádio por que não quer saber por enquanto de músicas de amor, dos outros. E muito menos da sua música.
Quer agora caminhar, livre, pela casa, calma e decidida.


Ela cansou, e agora descansa.

Da noite, da madrugada, do caos, da fugacidade, da ressaca, da maquiagem, da bota negra, da droga, dos quase outros e ninguém, do tédio americano, dos junkies, do amargo e anestésico, da fumaça entrando intermitentemente no seu pulmão, das buzinas bêbedas, da dor de estômago, do dinheiro rasgado, das sarjetas, das avenidas que remedam seus passos pesados, da confusão, do suicídio, das pseudo-companhias, da solidão.

(.............)

Do isolamento sob sol, da fuga, da tristeza, do medo dos outros, do medo do eu, da dor do mundo, da incompreensão, da cegueira, do ascetismo, da prisão em si mesma, da loucura, ...............da solidão.

Pura, Carolina caminha até a cozinha e pega um copo d’água. Seu corpo relaxado sob o olhar sereno das paredes, seus pelos pubianos crescidos e debochados, seus olhos ainda com remelas não analisadas pelo espelho, fazem com que seu olhar se volte para dentro. Bebe o líquido sem gosto, cristalino silencioso e refrescante, e definitivamente compreende que o vazio é belo, porque fácil, porque simples. E que seus olhos serão sempre assim. Mas nem por isso ela não está vendo...


Carolina
Composição: Chico Buarque


Carolina, nos seus olhos fundos guarda tanta dor, a dor de todo esse mundo
Eu já lhe expliquei, que não vai dar, seu pranto não vai nada ajudar
Eu já convidei para dançar, é hora, já sei, de aproveitar

Lá fora, amor, uma rosa nasceu, todo mundo sambou, uma estrela caiu
Eu bem que mostrei sorrindo, pela janela, ah que lindo
Mas Carolina não viu...

Carolina, nos seus olhos tristes, guarda tanto amor, o amor que já não existe,
Eu bem que avisei, vai acabar, de tudo lhe dei para aceitar
Mil versos cantei pra lhe agradar, agora não sei como explicar

Lá fora, amor, uma rosa morreu, uma festa acabou, nosso barco partiu
Eu bem que mostrei a ela, o tempo passou na janela e só Carolina não viu.

...

Um outro (que é você) fez ninho nos meus miolos quentes, há dias e dias e dias.

Passarinho que vive sob minhas pálpebras.

Palavras ou Ode à subjetividade universal

Coloca-se a palavra no papel, e eis que vira algo distante, talvez desprezível. Um elemento como outro qualquer, pertencente ao conjunto das coisas. Uma objetivação inútil porque fugaz e perene. A partir do momento que é, era. Foi o que já não sei mais. Uma agudez qualquer que traz até aqui, e quando chega percebe-se que é hora de desistir.
Desisto então. Ainda que insistindo. Desisti quando nasci, quando pensei pela primeira vez eu. E os anos passam e descobre-se nada mais do que individualismo barato e mesquinho com manias de grandeza. E a palavra tão pequenina e comum...
Poderiam me lembrar da ‘palavra vidro’, que diz ainda que não queira, transmitindo significado para além de sua materialidade enquanto signo. Mas será que é possível? A transparência também produz certa ilusão, e ainda que, as palavras nunca serão transparentes... Oh peso! A física que não nos deixa enganar. Eu que não entendo nada de física reclamo a física. Invoco a Ciência e afirmo: A falta de exatidão das palavras é o que me irrita. Quando saberemos quando é hora de parar ou de começar? E se for justamente isso o que sente, o que fala, o que grita, o que range, o que chora? Perde-se. A falta de exatidão que permeia toda a minha personalidade, revelando o esboço, e nada mais.
Diante das palavras, descobri que sou humana, ainda que bicho faminto e sedento. Um piar sem melodia, ainda que belo, justamente porque sem melodia. E quanto mais se caminha ao longo da página, tanto mais sentimos que sim, que não, o talvez que não leva a lugar algum.
A busca mais vaidosa porque quer as vísceras e o além tempo. Porque quer tornar-se mérito e não derrota, ainda que. (Pensemos em todos os poréns.)
Porém, minto!
Se tenho vontade de gritar, como é bom escrever! Lançar todas as palavras ao papel como quem lança injúrias à moral! Dizer hoje não, amanhã não, depois também não, quando durante todo o dia se disse sim, claro pois não. A palavra anti-máscara.
A palavra anti-máscara.

Procuro a libertação? Parte de um sonho ocidental quase démodé? Procuro meu eu mais profundo, oh inocência que nos impulsiona. Parte de um sonho ocidental quase démodé...
Estou a escrever, pois. E meu objetivo seria poder falar para além das palavras, sem produzir nenhum som. Queria escrever para além da lógica gramatical, tampouco obter sentidos compreensíveis. Contudo, queria poder dizer, e aí está o manifesto, queria poder dizer além assimetrias, o que nos une definitivamente, angústia ruim e boa. Elucidar o respiro, delinear o que se sente, aqui, ali e acolá e assim, o que é tanto e de tanto não é nada. Apenas uma questão: somos todos diferentes?

(09/2007)

ANGÚSTIA

Um tempo que não sei onde está. Mas mexe-se dentro do estômago. Arrebata o corpo. O olhar como o lago antes de se jogar a pedra.
Fujo de mim.
Contudo, desnudo, tento encontrar-me em você, vasculho, compartilho, abro, sangro-nos.
Não acho.
Estou em você? Sim. Mas a parte que te pertence ainda assim sou eu? Sou eu. Mas a parte que fui, serei, sou. Onde está?
Vácuo inerente ao peito cheio.

Ciúme.
Todo tempo que é meu não é seu.
Você não entende.
Entenda-me para que eu me entenda. É essa a equação?
Equação do casamento.

Um espaço. Duas pessoas. Um tempo. Dois tempos. Qual era a equação?
Sinto um cansaço. Há tempos. Descanso.
Você me conforta. E, contudo, nos força, a ser compartilhados.
Qual é a parte indivisível. O grito.
Deixe-me, ao menos um pouco. Respiro curto.

O jardim está verde, graças a Deus. Lá fora...

10/10/2007

paixão

Algo que rebate, no ar, no vento, no leve-me. Algo que diz por favor, no útero e no cérebro. Algo que diz sai, e vem, e dane-se. Como o avesso, e o ódio desmedido. A paixão, e eu, crua e cruel. Devore-me.
Mas não, assim não.
Não, não quero frases, nem suspiros, nem carícias, pontuadas, pausadas, entaladas. Quero apenas o incondicional.

Janela de pensão

A janela. Nossa sala está iluminada. É dia, é domingo, é à tarde. O sol que rebate na lateral do prédio e entra aqui novamente, desdobra-se em diversos ângulos e curvas. Mas o incrível são as plantas em cima da mesinha encostada na parede debaixo do vidro. Poderíamos fazer um desenho, uma aquarela, e alguém colocaria o verde bem verde diluído em água, leve sutil. E o sol entrando, acariciando, transformando a sala num ambiente mais feliz.

Porém o desenho não conseguiria dizer que por trás, havia duas mulheres firmes a olhar as plantas, enquanto almoçavam, mudas e silenciosas, contemplando. E ainda que o desenho recuasse até essa perspectiva, não daria conta de transmitir-nos que as duas pensavam em muitas coisas enquanto olhavam as plantas e almoçavam. Cada uma a seu jeito, cada uma um mistério. O namorado, trabalho o ônibus cheio e o gato morto na calçada. O gato do vizinho. O chefe. Talvez a brutalidade com que ela tratou seu antigo amigo da pensão. E ainda assim, ainda que o bom desenhista rabiscasse lenta e bruscamente, traço por traço, as idéias-sentimentos-sensações-ressentimentos de cada uma delas, e cada parte e parcela do ser que constitui duas mulheres, ainda sim não daria conta.
Mas por pior, ou por melhor que fosse a arte, ainda assim, seria bonito.

Estigma

Categorias que categorizam o todo categorizável.
Você está, não está, está. Claro que está.
Estigma.
Eu estive, e fiquei triste. Hoje, eu estou triste, e você não está para talvez me consolaria. E mesmo se estivesse, talvez também me condenaria.

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Férias Escolares

O sol estava lá, na manhã. E ela, acordada, desperta, morna. Olhou pela janela da sala puxando a cortina devagarzinho, espiando, espiando. Via a rua, além do asfalto as árvores balançando suas folhas assim. E uma brisa entrando pela fresta entre os vidros, o ar vindo, soprando. Encostou seu rosto na janela, sentindo o movimento vento, ventinho. Quando se afastou viu que tinha ficado a marca de suas bochechas, talvez suadas um pouco, já estava calor. Enquanto olhava a janela, agora com menos atenção, passou a ouvir, sintonizou o ouvido lá na cozinha, a mãe já entretida, falando, fogão, panelas, a carne está linda, falando sempre. Com quem? E ela acordada, já. Passou uma senhora com carrinho de feira. Ihhhh. Tem feira. Mãe? Você vai na feira? Não respondeu pois não ouviu, falava já tanto, provavelmente com a Leo, a empregada.
A feira.
Ela pensava bem baixinho dentro da cabeça: Ninguém nem vai perceber se eu for só aqui no portão, só para ver o dia, eu acordei cedo.
A porta da sala, ela abriu sem fazer barulho. O quintal. A rua logo do outro lado da mureta. Olhou por cima de tudo. As barracas lá na outra quadra, no lá, tão assim que até que perto. As lonas com o vento, azuis, verdes, laranjas, e tanto coisa em baixo, um colorido, agitado, gritos, olha lá minha senhora, tá barato, é feira, é feira. Uma vontade de passear, só um pouco. Ninguém nem vai saber.
Então, num ímpeto, saiu de casa encostando o portão como quem já volta. Devagar. Andou meia quadra, teria que atravessar a rua. Parou no meio fio, olhou para os dois lados para ver se vinha carros e tinha um vindo e agora que estava na rua, assim, só, sem nenhum braço para se apertar a mão conhecida por perto, respirava mas não enchia direito o peito. A barriga ficava até um pouco dura. E ela mais pequena do que todos que passavam e logo saberiam: criança! Boba, sentia medo. O coração forte dentro do corpo, vibrando tudo. Não, não tem medo, não. Atravessou decidida quando o único carro que via vindo estava lá longe, andou até a esquina. Parou novamente.

O sol e o azul. Tão bonito. Tão azul, azul, ul, por dentro e por fora do corpo seu. Aquele barulho. Barulheira. As grandes todas andando de carrinhos cheios de colorido, uns mais que outros. Respira, respira, respira.
Parou ali no começo de tudo, olhando o mundo de barracas para lá. Andava agora novamente devagar, mas chegando, chegando. Não acredito. Não posso acreditar. Olha o tamanho da gaiola do moço, ali. E não tinha ninguém para dividir aquele deslumbramento. Como fazem barulho. Estão vivos. E ficou com o rosto grudado na gaiola, cheia e cheia de aves pequenas e amarelas. Moço? Quanto é o pintinho? Olhou para o chão, seus sapatos, uma vontade dentro assim do peito, feliz, não poderia deixar para lá. Queria, e muito. Olhou novamente para o moço, e falou rápido, decidida: Então espera aí.
Correu para casa, uma quadra, rápido, rápido, tum-tum-tum, o coraçãozinho vá! Atravessou a rua, primeira quadra, segunda quadra tum-tum, tum. Abriu portazinho, quintal, porta da sala, silêncio, shiiiiiiii!! atravessou a sala, e parou, de repente. Shiiiiiiiii, pensava consigo mesma, como detetive, shiiiiiiiii. Concentrou-se em ouvir, a mãe continuava na cozinha, barulho de louças batendo, devia estar lavando pratos e panelas, nem se deu conta que ela saiu. Ainda na ponta dos pés, de escondida, então foi na caixa de costura velha da mamãe, aquela forrada com pano amarelo, fica no fundo da estante, atrás da fruteira, onde sempre tem. Abriu sem fazer quase nem um ruído. Olhou dentro da caixa. Sorriu por dentro. Moeda, moeda, moeda.
Voltou tudo com a mesma habilidade. Refez todos os mesmo passos, ágil mas cuidadosa, sentia-se tão habilidosa, novamente a caixa para o funda da estante, o trinco da porta da sala, a mureta, o sol, o vento, asfalto, asfalto, atravessou a rua agora que estava calminha sem carro, a gaiola. Logo chegou. Moço? Dá pra comprar o pintinho?
O moço cuidadosamente passou aquele bolo de moedas da menina para sua mão e rapidamente contou quanto tinha. Abriu a gaiola e disse escolhe. Então ela sorriu. Os olhos ficaram até pequeninos, brilhantes. Felicidade é ter um pintinho. Aquele ali, que tá no canto aqui, esse, esse. Moço? Brigado.
Tchau.
E correu, com a mão feito um ninho, os dedos entrelaçados se esforçando, tentando ser maiores. Correu. Uma bola agora parada dentro do estômago e uma amarração no peito, no coração. Estranho de ar sufoco. Correu, para o lado o outro, na direção oposta de casa, tum-tum, ah! A pracinha. Correu para lá e parou embaixo da árvore. Agachou bem miudinha.
Piu ele fez. Amarelo feito pintinho. Piu! Ela subiu suas mãos à altura do rosto. Olhou nos olhos, o bicho. Aí. Um aperto em tudo. Calma bichinho, calma. Eu vou cuidar de você. Eu vou cuidar. Você será amigo. Meu melhor amigo.
Cumplicidade é ter um pintinho.
A sombra da árvore da praça. O calor de sombra ainda melhor, é. Alisava o macio de pelo-pena-pelúcia. Alisava o macio. A boca seca. Os fios de mato encostando-se à canela. Um olhar para além da mão e do bicho. Por segurança. Tudo bem, lá na frente só as pernas que sentadas no banco da frente com cachorro.
Tudo bem.
Pintinho!

Você ta com medo meu amigo? Você ta com medo de mim? Você não me conhece, mas vai gostar. Seremos bons.
E juntou o ninho-mão com o peito. A camiseta era boa para ele, bem mole, de tecido que não pinica, você vai gostar de encostar aqui um pouco meu amigo. Algodão lavado, lavado, gostoso. Eu vou te por aqui pra ver como é gostoso.

Olhou rápido para o lado vulto. Alguém. Alguém lembra casa. Alarme de casa, dentro da cabeça. Agora antes que briga, vamos!
Vamos pintinho!
Correu. Logo se chega, chegou. Abriu o portão com a cabeça para não perturbar a posição acomodada do amigo. Casa. Ah! Essa é a casa, ta? Você gosta? Então você vai ser feliz!
Quando abriu a porta já sabia que não seria o mesmo silêncio de quando saiu. Preparou-se e olhando a vontade do sol logo adivinhou que muito mais tempo tinha passado. Virou a maçaneta e pôs primeiro a cara para dentro mas nem deu tempo de nada e Meniiiiiiiiiina!!! Aonde você estava!!!!!! Estão todos te procurando!!!!! Como?!?! COOOOOmo você sai assim sem avisar?
Pintinho...
O que é isso aí? Aonde você arrumou isso! Você quase nos deixou loucas, já liguei pro seu pai, ele estava no meio de uma reunião, todo mundo desesperado, Léeeo, ela chegou. Aonde você foi, com ordem de quem? Vá! Vá pro quarto! E não deixa o bicho fazer sujeira por lá, nem assustar seu irmão.
Sentou na cama. Olhou para baixo e temerosa o pois em cima da cama, tão de novo amarelo o bicho, a cama com colcha de retalhos feita pela tia. Acariciando a cabeça macia ouvia a mãe nervosa falando com a Leo e depois no telefone, o pai iria brigar.
Ficou um pouco de tempo nesse estado de olhos parados, com quase vontade de chorar apertando o peito, um susto, a mãe brava, nervosa, o pai também, ainda mais quando chegasse em casa. Sentia-se até mole, se ficasse assim parada com o bichinho talvez até dormia mas é melhor arrumar logo um canto para ele, é melhor fazer isso logo.
No armário, olhando o que tinha rapidamente decidiu-se por pegar a caixa do tênis do natal e com o próprio papel que veio nela fez um amassado que não ficasse duro. Bom. Bom? Mais ou menos bom. Então correu lá fora, mãe? Tem resto de pano? A mãe ainda nervosa, com aquele olhar de raiva que tinha às vezes. Pode pegar? Ta!! Ah! A mãe mesmo brava era boa. Tantos paninhos que escolheu pela cor, verde, amarelo e rosa. Um preto também, pode mãe? Ta!!
Voltou para o quarto. Já estava feliz de novo agora sem moderações. Voltou... olhou para a cama, toda a colcha vazia... Cadê? Amigo? Piu! Piu? Cadê? Embaixo da cama!!! Como foi parar aí em abaixo amigo?! Você caiu? Você se machucou? Ai meu deus!! Ai meu santo!! Você ta machucado?? Por que também foi andar pela cama? Eu falei para você ficar bem parado. Mas desculpa! Ai. Bem. Passou? Foi só o susto... Agora vou te por na cama mais bonita do mundo, porque agora você tem uma só pra você, como eu. Essa aqui é a minha, ta? E essa é a sua. E aí você não cai mais, se não machuca.
Pôs o bicho. E os trapinhos lá, coloridos. E o cheiro de ainda manhã de sol na casa toda, junto com tudo.
Deitou na cama e colocou a caminha ao seu lado. Tirou seu tênis quente e ficou fazendo carinho de novo na cabeça de ave.
Bico. Boca. Deu um beijo bem fraquinho, só aqui em cima, para não amassa-lo.
Aí deu fome. Mãe? A gente vai almoçar? Vou já então! Vou deixar o pintinho na cama dele, em cima da minha! Mas primeiro vou dar água para ele.

Na cozinha a mesa arrumada já a esperava. Seu prato, seu lugar de sempre, a mesma cadeira, e a tigela com salada, outra com carne e ainda arroz. Um cheiro gostoso. A mãe não. A mãe estava brava, bem brava, daquele jeito que não olha para o nosso rosto. E também não fala. Mãe? Desculpa, é que eu queria muito um pintinho, e estava tendo feira e.... Coma menina, coma antes que esfrie. Quer arroz?
A mãe não queria nem conversar.
...
Voltou para o quarto.
Feliz. Não importava, por hora, tanto o que passava lá fora. Felicidade é ter um pintinho.

2007