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quarta-feira, 18 de março de 2009

Te Conto

A cabeça. A minha, mistura tudo. Porém, não se preocupem, está tudo bem. (Digo isto apenas para tranqüilizá-los, mas quem me conhece sabe que assim apenas é normal.) Ouço um CD. Depois de um quase pânico, consegui fazer o rádio tocar. E mesmo com a música, ainda mais tudo se mistura. Imagens de homens. Meus futuros maridos. Lembranças de sonhos, meus futuros destinos. Alertas de imprevisibilidades, minha próxima conduta.
Preciso aprender a ser Zen! (Lembro de quem sou, levanto ironicamente o canto do lábio esquerdo junto com uma sopradinha pelo nariz) É isso mesmo, torna-se necessário que a Srta. desfaça-se dessas projeções confusas! (Resolvo, vai, tudo bem, ouvir o que minha cabeça diz).
Abaixe! (Abaixo o som)
Ouça o barulho dos grilos! ( Ouço o dos grilos e o do mar)
Olhe para o céu e dê um suspiro! ( Levanto-me, vou até a varanda)
Medite! (Retorno e acendo um cigarro)

- Tenha paciência minha cara, as coisas não são tão simples assim!

Sento no sofá, então, e apenas vejo de relance a troca de cores que exala da televisão. Meu olhar congela. Passa a ver as sombras. Lembro da minha infância. Acho que nunca gostei muito da programação, nunca fui fã de nenhum desenho animado, sempre fiquei de fora desses papos no recreio da escola.
Aconchego-me entre as almofadas. Imagino-me uma gata vira-lata de boa família, esperta e bem cuidada. Nunca fresca. Acho que eu seria feliz. Acho que sou feliz...
(Talvez eu quereria ser uma gata cantora! Frustraría-me com a impossibilidade! Dispararia a comer, a ração minha e a carne moída do gato do vizinho! Desenvolveria um câncer num lugar qualquer!! Morreria numa almofada forrada no fundo da lavanderia!!!)
Mudo minha posição no sofá. Inquieto-me. Sento. Olho pela janela aberta e vejo a igrejinha iluminada do outro lado do rio. Tem missa. Eu não estou nela. Eu não estaria. Estou sentada no sofá. Lembro que o rádio toca, Gal Costa. Uma sensação de quase liberdade torna-me mais leve por este instante. Ela grita, quase desafinando, como eu, mas sendo ela, é quase para nunca.
E já que sou um ser humano (não um gato) capaz de apertar o botão e voltar a faixa, o que adicionado a capacidade de memorização, possibilita que eu cante, para ninguém ouvir. (Vim apenas comigo mesma para a praia).
Solto a voz: "Dessa janela sozinha,
Olhar a cidade me acalma,
Rio e também posso chorar!
Rio e também, posso chorar!
Mas tenho os olhos tranqüilos..."

Canto três vezes. Mais uma. É como se a música me pertencesse. "Dessa janela sozinha". "Dessa janela sozinha". "Dessa janela sozinha". Ahhhhh!
Desligo o rádio.
Ouço novamente os grilos e o mar. Esvazio o cinzeiro. Lembro porque comecei a escrever: porque queria te contar: te contar que não sou capaz de te por num conto. Não que você já seja muito para mim, simplesmente por me sentir insegura, sabendo que você já se auto-conta muito bem.
Talvez eu esteja só tentando te copiar. Mostrar que também posso.
Desculpe-me.
Desculpe-me mais ainda se eu te contar que meu telefone acabou de tocar, era um professor meu dizendo que descobriu que preciiiisa sair comigo. Pensei no momento o mesmo que pensei quando te conheci - será que casaríamos? Desculpe-me novamente. Sei que o nosso já está até marcado. Mas porquê, se já te contei todos os motivos do nosso divórcio? E as outras razões você já deve estar imaginando...
E agora se eu ainda retirasse meu pedido cordial? Se eu olhasse feio para a tua cara? Se eu te mostrasse a língua? Sem sorrir depois.
Te enfrento. Pelo simples fato de saber que mesmo assim você me entenderia.
Já conversamos sobre isso.
Mordo a unha do meu polegar direito. Os períodos noturnos me fazem ser estranha. Retiro o estranha e deixo uma lacuna para o adjetivo que você procurava aquela noite para me descrever.
Mordo agora a do indicador direito. Olho a TV muda, com superioridade. Sinto-me forte e impenetrável... - Interrupção da minha naturalidade - há um barulho na porta! Estou sozinha! A casa aqui da praia é no meio do mato.
Alguém atrás do vidro. Não olho. O noticiário mental já dispara: milhares de estupros neste ano. Em todos. Cenas realmente horrorizantes.
Não olho. Pelas costas, vejo que a pessoa tenta comunicação. Meu nome é anunciado. A voz é a sua. Vou andando, ainda de costas. Louca. Venho balançando a cabeça. Viro-me. Abro a porta com o pé. Dou um beijo na tua barriga. Puxo o seu nariz, até a mesa de jantar. Uma garrafa de vinho nos aguardava. Planto uma bananeira. Refaço-me e subo para o quarto, logo tirando a roupa. Quero que você me queira sexualmente falando, mas temo que eu esteja tendo alucinações. Seus olhos vem pela escada, na frente, claros, belos e assustados. Seu membro masculino chega logo após, já ereto. Depois do vácuo, chega a sua compreensão. Fim da minha alucinação. De qualquer maneira, já estou nua na cama.
Seus olhos me penetram Nosso gozo é uma lágrima, e isto é a realidade mesmo. Uma lágrima de alegria carente, aquela que cai quando todos os escudos são postos ao pé da cama, e em cima dela não há pus, nem sangue, nem feridas.
Recebo um beijo entre as sobrancelhas. Dorme! Dormiu! Feito criança, até baba no meu travesseiro. Ponho mais um cobertor sob seu corpo e desço as escadas.
Não há mais solidão! Não houve estupro! Este é o balanço final da situação. Já estou no sofá, bebendo um chá de camomila, há 5 anos. Nosso filho chora porque também quer. Acordou e quer. A água já está fervendo. Acho que ele percebe minha tristeza, amanhã vou pedir o divórcio. Pego aquele CD da Gal que não ouvimos há tempos. Sinto-me melancólica. Será? "Baby te amo, nem sei se te amo..." Quero o divórcio! O meu não saber já levou tempo demais. O seu me conhecer já foi fundo de mais, e você sempre soube os motivos que nos levariam a esse fim. Mas você dorme... E não sabe de nada.
Amanhã, quando você acordar, as coisas mudarão. E eu finalmente entregarei o teu conto. Lá estará magnifica e poeticamente explicado como a minha cabeça, desde sempre, mistura tudo. Coisas que aqui, por insegurança, não te conto.

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