Nua, Carolina caminha até a cozinha e pega um copo d’água. O barulho das crianças que brincam lá embaixo sob o sol de outono, a furadeira que concerta algo no andar de cima e os passarinhos que cantam do outro lado da rua, fazem com que seus passos sejam mais lentos. Ela ouve o mundo porque desligou o rádio. Ela desligou o rádio por que não quer saber por enquanto de músicas de amor, dos outros. E muito menos da sua música.
Quer agora caminhar, livre, pela casa, calma e decidida.
Ela cansou, e agora descansa.
Da noite, da madrugada, do caos, da fugacidade, da ressaca, da maquiagem, da bota negra, da droga, dos quase outros e ninguém, do tédio americano, dos junkies, do amargo e anestésico, da fumaça entrando intermitentemente no seu pulmão, das buzinas bêbedas, da dor de estômago, do dinheiro rasgado, das sarjetas, das avenidas que remedam seus passos pesados, da confusão, do suicídio, das pseudo-companhias, da solidão.
(.............)
Do isolamento sob sol, da fuga, da tristeza, do medo dos outros, do medo do eu, da dor do mundo, da incompreensão, da cegueira, do ascetismo, da prisão em si mesma, da loucura, ...............da solidão.
Pura, Carolina caminha até a cozinha e pega um copo d’água. Seu corpo relaxado sob o olhar sereno das paredes, seus pelos pubianos crescidos e debochados, seus olhos ainda com remelas não analisadas pelo espelho, fazem com que seu olhar se volte para dentro. Bebe o líquido sem gosto, cristalino silencioso e refrescante, e definitivamente compreende que o vazio é belo, porque fácil, porque simples. E que seus olhos serão sempre assim. Mas nem por isso ela não está vendo...
Carolina
Composição: Chico Buarque
Carolina, nos seus olhos fundos guarda tanta dor, a dor de todo esse mundo
Eu já lhe expliquei, que não vai dar, seu pranto não vai nada ajudar
Eu já convidei para dançar, é hora, já sei, de aproveitar
Lá fora, amor, uma rosa nasceu, todo mundo sambou, uma estrela caiu
Eu bem que mostrei sorrindo, pela janela, ah que lindo
Mas Carolina não viu...
Carolina, nos seus olhos tristes, guarda tanto amor, o amor que já não existe,
Eu bem que avisei, vai acabar, de tudo lhe dei para aceitar
Mil versos cantei pra lhe agradar, agora não sei como explicar
Lá fora, amor, uma rosa morreu, uma festa acabou, nosso barco partiu
Eu bem que mostrei a ela, o tempo passou na janela e só Carolina não viu.
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