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domingo, 27 de dezembro de 2015

Aula - mulheres na literatura brasileira

Maria Firmina dos Reis (MA, 1822-1917)
- Úrsula (1859)

Júlia Lopes de Almeida (RJ, 1862-1934)
- A Falência (1901)


Cora Coralina (GO, 1889-1985)

Cecília Meireles (RJ, 1901-1964)
- Viagem (1939)

Rachel de Queiroz (CE, 1910-2003)
- O quinze (1930)
- As três marias (1939)
- Primeira mulher a entrar para a Academia Brasileira de Letras em 1977
- Memorial de Maria Moura (1992)

Zélia Gattai (SP, 1916-2008)

Clarice Lispector (Ucrânia, 1920-1977)
- Perto do coração selvagem (1943)
- A Hora da Estrela (1977)

Lygia Fagundes Telles (SP, 1923)
- As Meninas (1973, Jabuti em 1974)

Hilda Hist (SP, 1930-2004)
- A obscena senhora D (1986)

Adélia Prado (MG, 1935-)
- Bagagem (1976)
- O coração disparado (1978) - vencedor do Jabuti

Ana Miranda (CE, 1951)
- Boca do Inferno (1989)

Conceição Evaristo (MG, 1946)

Ana Cristina César (RJ, 1952-1983)

Maria Valéria Rezende (SP, 1942)
- Quarenta Dias (2014)



Aula de literatura brasileira - século XIX (em construção)




1890 - O cortiço - Aluísio Azevedo

1889 - Proclamação da República

1888 - Abolição

1881 - Memórias Póstumas de Brás Cubas - Machado de Assis

1852 - Memórias de um Sargento de Milícias - Manuel Antonio de Almeida

Realismo e naturalismo



Rio de Janeiro em 1889

"Em outro estudo sugeri que a Dinâmica das Memórias de um Sargento de Milícias dependia de uma dialética da ordem e da desordem, definindo um mundo algo desligado do mundo, apesar de nutrido da sua realidade. Daí o movimento do bailado e o ar de fábula, num universo onde quase não aparece o trabalho e as obrigações de todo o dia, e onde em consequência o dinheiro brota meio milagrosamente de heranças e subterfúgios, ficando aliás em franco segundo plano.
N'O Cortiço está presente o mundo do trabalho, do lucro, da competição, da exploração econômica visível, que dissolvem a fábula e sua intemporalidade. [...]
Mas então entra em cena um jogo de mediações, que modificam a relação entre ficção e realidade, porque como ficou dito, os fatos narrados tendem a ganhar um segundo sentido, de cunho alegórico. Visto deste ângulo, o cortiço passa a representar também o Brasil [...]"

Antonio Candido, "De cortiço a cortiço"

terça-feira, 22 de dezembro de 2015

bluebird


There’s a bluebird in my heart that
wants to get out
but I’m too tough for him,
I say, stay in there, I’m not going
to let anybody see
you.

[...]
and we sleep together like
that with our 
secret pact

and it’s nice enough to make a man weep, but I don’t weep, do you?

Versos de Natal

Espelho, amigo verdadeiro,
Tu refletes as minhas rugas,
Os meus cabelos brancos,
Os meus olhos míopes e cansados.
Espelho, amigo verdadeiro,
Mestre do realismo exato e minucioso,
Obrigado, obrigado!

Mas se fosses mágico,
Penetrarias até ao fundo desse homem triste,
Descobririas o menino que sustenta esse homem,
O menino que não quer morrer,
Que não morrerá senão comigo,
O menino que todos os anos na véspera do Natal
Pensa ainda em pôr os seus chinelinhos atrás da porta.

Manuel Bandeira, 1939, Lira dos Cinquent'anos


Andorinha

Andorinha lá fora dizendo:
- "Passei o dia à toa, à toa!"

Andorinha, andorinha, minha cantiga é mais triste!
Passei à vida à toa, à toa...


Manuel Bandeira - Libertinagem


terça-feira, 1 de dezembro de 2015

Histérica é a mãe, é a filha, sou eu, sua filha, se é assim que você quer me chamar, histérica.
Somos muitas, histéricas, loucas, neuróticas, cansadas de tantos desafios cotidianos para garantir um mínimo de respeito.
Não te chamo de filho da puta porque minha vó não é puta, bem que poderia sê-lo, somos todas putas, não? Somos todas putas.
Vadias, mal-amadas, mal-comidas, vai tomar remédio! Vai se tratar! Vai se foder!

Quanta delicadeza.
tudo isso dói
mas não choca
Só fortalece.
E dá mais certezas do porquê estamos todas aí, histéricas e unidas.



quinta-feira, 19 de novembro de 2015

sábado, 14 de novembro de 2015

Do início da vida adulta nos EUA, mas também em outros lugares

As vantagens de ser invisível - The perks of being a wallflower



ou

Bukowski

"Eu podia ver o meu futuro bem na frente. Era pobre e continuaria sendo pobre. Mas não era particularmente dinheiro o que eu queria. Eu não sabia o que eu queria. Sim, sabia. Queria algum lugar para me esconder, algum lugar onde uma pessoa não tivesse que fazer nada. O pensamento de me tornar alguma coisa, não apenas me apavorava, mas me deixava enojado. O pensamento de me tornar um advogado, um membro do conselho ou um engenheiro, qualquer coisa assim, parecia impossível para mim. Casar, ter filhos, ficar enroscado na estrutura familiar. Ter que ir para algum lugar todos os dias trabalhar e ter que voltar. Era impossível. Fazer coisas, coisas simples, tomar parte em piqueniques familiares, Natal, o 4 de Julho, Dia do Trabalho, o Dia das Mães... será que um homem nasce apenas para suportar essas coisas todas e depois morre? Eu preferia ser um lavador de pratos, voltar sozinho para um quarto minúsculo e beber até dormir."

Misto Quente - A Juventude de Henry Chinaski, Ham on rye [1982]
[EUA, recessão pós-29]



terça-feira, 27 de outubro de 2015

Caxambu

Dez anos se passaram
O cigarro voltou
O humor solitário
um andar esperançoso e soturno
Passo em frente ao calçadão
Dezenas de amigos conversam
Dez anos se passaram
Eu novamente não paro
Sigo para o quarto
Gosto da minha companhia
Não preciso tanto de gente, talvez, como os outros, talvez.
Dez anos se passaram e ainda não sei de quase nada.
Aquela menina ainda mora aqui, morará sempre, sinto orgulho dela, firme.
Mas existe agora uma mulher, a mesma, eu mesma, prazer.

terça-feira, 20 de outubro de 2015


"É nesse contexto que podemos identificar o olho não como o órgão que vê, mas como o órgão que chora".



Veena Das

domingo, 11 de outubro de 2015

Viagens

Eles me deixaram uns
dias

meu desejo
viajo comigo
durmo comigo
como comigo
fumo comigo
estudo sexualidade
comigo

sem eles
sem tanto
fantasio comigo
leio comigo
escrevo comigo
cago comigo
passeio comigo
eu posso
só.



sábado, 10 de outubro de 2015

Encuentro (Alfonsina Storni)

Lo encontré en una esquina de la calle Florida
Más pálido que nunca, distraído como antes,
Dos largos años hubo poseído mi vida...
Lo miré sin sorpresa, jugando con mis guantes.

Y una pregunta mía, estúpida, ligera,
De un reproche tranquilo llenó sus transparentes
Ojos, ya que le dije de liviana manera:
- Por qué tienes ahora amarillos los dientes?

Me abandonó. De prisa le vi cruzar la calle
Y con su manga oscura rozar el blanco talle
De alguna vagabunda que andaba por la vía.

Perseguí por un rato su sombrero que huía...
Después fue, ya lejana, una mancha de herrumbre.
Y lo engulló de nuevo la espesa muchedumbre.


[Ocre - 1925]


quarta-feira, 7 de outubro de 2015

Despecho (Juana de Ibarbourou)

Ah, que estoy cansada! Me he reído tanto,
Tanto, que a mis ojos ha asomado el llanto;
Tanto, que este rictus que contrae mi boca
Es un rastro extraño de mi risa loca.

Tanto, que esta intensa palidez que tengo
(Como en los retratos de viejo abolengo),
Es por la fatiga de la loca risa
Que en todos mis nervios su sopor desliza.

Ah, que estoy cansada! Déjame que duerma,
Pues, como la angustia, la alegría enferma.
Qué rara ocurrencia decir que estoy triste!
Cuándo más alegre que ahora me viste?

Mentira! No tengo ni dudas, ni celos.
Ni inquietud, ni angustias, ni penas, ni anhelos.
Si brilla en mis ojos la humedad del llanto,
Es por el esfuerzo de reírme tanto...

quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Uma lagartixa está na cortina lisa e transparente do boxe do chuveiro.

É pequenininha.

Á água quente, fervendo, minha pele seca resistindo, o cérebro sem ensaboar.

Olho para seus olhos arregalados.

Sinto dó dela,
também de mim.
Agarradas
a qualquer coisa de instável, de precário, de inaceitável, prestes a deslizar.

A umidade quente do banheiro se acentua,
a superfície vai ficando mais escorregadia, com dezenas de gotículas de água.
Por quanto tempo será possível se segurar?

Ela não tem culpa,
Yo, tampoco.
O acaso nos trouxe aqui.

Desligo o chuveiro com pressa, antes que tudo se complique ainda mais.




Hoje não escrevo - Drummond

"Escrever é triste. Impede a conjugação de tantos outros verbos. Os dedos sobre o teclado, as letras se reunindo com maior ou menor velocidade, mas com igual indiferença pelo que vão dizendo, enquanto lá fora a vida estoura não só em bombas como também em dádivas de toda natureza, inclusive a simples caridade da hora, vedada a você, que está de olho na maquininha. [...]

O que você perde em viver, escrivinhando sobre a vida. Não apenas o sol, mas tudo que ele ilumina. [...]

Ah, você participa com palavras? Sua escrita - por hipótese - transforma a cara das coisas, há capítulos da História devidos à sua maneira de ajuntar substantivos, adjetivos, verbos? Mas foram os outros, crédulos, sugestionáveis, que fizeram o acontecimento. Isso de escrever O Capital é uma coisa, derrubar as estruturas, na raça, é outra. E nem sequer você escreveu O Capital. Não é todos os dias que se mete uma ideia na cabeça do próximo, por via gramatical. E a regra situa no mesmo saco escrever e abster-se. Vazio, antes e depois da operação."

Carlos Drummond de Andrade, O poder ultra jovem, 1982

segunda-feira, 7 de setembro de 2015

Autoconfiança

Vou
e recuo
Cabeça erguida, diante do talvez.
Só eu sei
O não sei
da resposta final.


domingo, 6 de setembro de 2015

Os laços de família

"A filha observava divertida. Ninguém mais pode te amar senão eu, pensou a mulher rindo pelos olhos; e o peso da responsabilidade deu-lhe a boca um gosto de sangue. Como se "mãe e filha" fosse vida e repugnância. Não, não se podia dizer que amava a sua mãe. Sua mãe lhe doía, era isso."



Conto Os Laços de Família - Clarice Lispector



sábado, 29 de agosto de 2015

Fazendo pose

"Há dezenas de anos que nós só falamos de sexo fazendo pose"

Foucault, História da Sexualidade, 1976


quinta-feira, 27 de agosto de 2015

Epigrama n° 2 - Cecília Meireles

És precária e veloz, Felicidade.
Custas a vir, e, quando vens, não te demoras.
Foste tu que ensinaste aos homens que havia tempo,
e, para te medir, se inventaram as horas.

Felicidade, és coisa estranha e dolorosa.
Fizeste para sempre a vida ficar triste:
porque um dia se vê que as horas todas passam,
e um tempo, despovoado e profundo, persiste.

Cecília Meireles - Viagem - 1938


Eu permaneci, com as bagagens da vida.


Sou o culpado do que nem sei, de dor em aberto, no meu foro.


o rio.



A terceira margem do rio
Guimarães Rosa




Era, outra vez em quando, a Alegria. 

Guimarães Rosa
Primeiras Estórias




PERHAPPINESS

Leminski


Felicidade, 
Não existe, 
O que existe na vida
São momentos felizes.

Odair José


A felicidade sempre iria ser clandestina para mim.

Clarice Lispector



terça-feira, 11 de agosto de 2015

Fernando Pessoa Queer- Eros e Psique

    Conta a lenda que dormia
    Uma Princesa encantada
    A quem só despertaria
    Um Infante, que viria
    De além do muro da estrada.

    Ele tinha que, tentado,
    Vencer o mal e o bem,
    Antes que, já libertado,
    Deixasse o caminho errado
    Por o que à Princesa vem.

    A Princesa Adormecida,
    Se espera, dormindo espera,
    Sonha em morte a sua vida,
    E orna-lhe a fronte esquecida,
    Verde, uma grinalda de hera.

    Longe o Infante, esforçado,
    Sem saber que intuito tem,
    Rompe o caminho fadado,
    Ele dela é ignorado,
    Ela para ele é ninguém.


    Mas cada um cumpre o Destino
    Ela dormindo encantada,
    Ele buscando-a sem tino
    Pelo processo divino
    Que faz existir a estrada.

    E, se bem que seja obscuro
    Tudo pela estrada fora,
    E falso, ele vem seguro,
    E vencendo estrada e muro,
    Chega onde em sono ela mora,

    E, inda tonto do que houvera,
    À cabeça, em maresia,
    Ergue a mão, e encontra hera,
    E vê que ele mesmo era
    A Princesa que dormia.

    1934

terça-feira, 28 de julho de 2015

Cantiguinha

Meus olhos eram mesmo água,
- te juro -
mexendo um brilho vidrado,
verde-claro, verde-escuro.

Fiz barquinhos de brinquedo,
- te juro -
fui botando todos eles
naquele rio tão puro.

............................................

Veio vindo a ventania,
- te juro -
as águas mudam seu brilho
quando o tempo anda inseguro.

Quando as águas escurecem,
- te juro -
todos os barcos se perdem,
entre o passado e o futuro.

São dois rios os meus olhos,
- te juro -
noite e dia correm, correm,
mas não acho o que procuro.

Cecília Meireles - Viagem


domingo, 26 de julho de 2015

Desprezo

O famoso poeta - ou a, se de artigo feminino for,
nunca terá o meu perdão.

Reclama melancólica da vida,
mas pelo troféu de letras,
sempre terá seu culhão.

Nós - as verdadeiras -,
silenciosas, clamamos para o nada.
E nada recebemos em troca, quanta legitimidade, atabalhoadas em anonimatos virtuais.
A força está aqui,
resistimos sem coquetéis com champanhe - sim quanta honra,
sempre sempre, por definição, em vão.








Tudo depende do que você quer saber

Do ar tomado antes de tomar certas decisões,
e das frustrações, depois
(elas sempre virão)
Do besta, da vida,
no mesmo tempo, no mesmo agora, no mesmo nada que eu, indivídua, vivo e respiro e tento achar
utopias
- muito bonito seu papo sobre utopias, gato, mas será útil para agora? -
será o caos
será a sobrevivência
nascer, copular, morrer
é assim que o inteligente, citando outro mais que ele, recita, em vão.

Quero as migalhas da vida.

Quero tudo aquilo que poucos

E meu momento vai chegando, uma vida investindo em olhar para o nada.
o desperdício.
- acontece também com vidas inteligente, a classe média também se desperdiça, baby.

Vamos.
Vamos pelos menos correr, respirar, cansar, brigar, lutar, sobreviver, comer, cagar, xingar, odiar, fofocar, pelo menos.

Será que meu limite chegou? sinto que está perto, mas é difícil saber sua hora, e quanta dor trará consigo - o horror, ou não, a libertação.

Destino - preso, livre, preso, livre, preso, livre, preso, livre
não se trata disso, meu bem.
é preciso estudar psicanálise, meu bem.

E encarar as bordas, seja forte, como sempre.





domingo, 12 de julho de 2015

Assovio

Ninguém abra a sua porta
para ver que aconteceu:
saímos de braço dado,
a noite escura mais eu.

Ela não sabe o meu rumo,
eu não lhe pergunto o seu:
não posso perder mais nada,
se o que houve já se perdeu.

Vou pelo braço da noite,
levando tudo o que é meu:
- a dor que os homens me deram,
e a canção que Deus me deu.



Cecília Meireles
Viagem
1938


sábado, 11 de julho de 2015

interesseira, burra, pelega, vagabunda, careta, carola, egoísta, tímida, mesquinha, idiota, golpista, frígida, insegura, fracassada, ressentida, suicida, mal-amada, traumatizada, louca, derrotada, safada, deprimida, falida, pobre, descuidada, feia, chata, triste, encurralada, medíocre, coitada

é o que diz
a minha doce culpa de estimação.


quinta-feira, 2 de julho de 2015

Janela

"Janelas do meu quarto,
do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é [...]" - álvaro de campos


Se, cada vez que abrimos a janela,
temos que, ao final do dia, fechá-la,
quantos dias assim se vão?
Abrir: esperanças, dia, sol, ar fresco, cheiro de rua.
Fechar: fim de um dia, semana, mês, ano, escuridão, minha morte.
Oh janelas do meu quarto, entre dias e noites, vamos nos abrindo e fechando, eu e você.





domingo, 28 de junho de 2015

La mirada

Entre la tarde que se obstina
y la noche que se acumula
hay la mirada de una niña.

Deja el cuaderno y la escritura,
todo su ser dos ojos fijos.
En la pared la luz se anula.

Mira su fin o su principio?
Ella dirá que no ve nada.
Es transparente el infinito.

Nunca sabrá que lo miraba.




Octavio Paz



quinta-feira, 18 de junho de 2015

Feliz

Porque a vida não é feita só de lamentos.


terça-feira, 9 de junho de 2015

Quadrilha da cãodemia

Marcio falava mal de Guilherme que falava mal de Bia que falava mal de Diego que falava mal de Luisa que falava mal de Renata que não falava mal de (quase) ninguém.

Marcio virou professor universitário,Guilherme casou-se, Bia mudou de país, Diego ficou muito rico, Luisa foi vender bolo e Renata foi se aconselhar com Ana Antonia que não tinha entrado na história.


Casa

Pra quem sempre teve um lar,
Ter um
pode parecer coisa pouca, careta, medrosa, conservadora, medíocre.

Pra quem, sem ter antes tido, o construiu,
Mesmo sendo feminista - os pilares da casa suportam tantas contradições?
O lar pode ser tudo o que se tem.



domingo, 31 de maio de 2015

Somos todas Vivian Maier

Olhar o mundo percebendo.
Olhar e registrar. No corpo, no coração, na alma, no filme fotográfico.
Silenciosamente.
A dor dos outros.
A mediocridade dos outros.
A vivacidade dos outros.

Vivian Maier espiou pela porta entreaberta, como bem fazem todas as babás , e viu coisas que outras pessoas não viriam.
Sentiu-se só e desolada. Eu também me sinto. Você também se sentiria.

Ela, sorrateiramente, registrou tudo. E não contou pra ninguém. Eu, entendendo-a muito bem, também não vou contar.






terça-feira, 19 de maio de 2015

Difícil de entender, a mãe da menina. Dos quatro adultos da casa, era a mais recolhida. Não que fosse fraca. Era muito forte, até. Mas a força dela ficava toda emborcada pra dentro, uma criança não conseguia ver de jeito nenhum.


O pai, a mãe e a filha
Ana Luisa Escorel




domingo, 17 de maio de 2015


Muito cedo foi tarde demais em minha vida. Aos dezoito anos já era tarde demais.




"O amante", Marguerite Duras



quinta-feira, 7 de maio de 2015

Pensamento bobinho nas nuvens

A vida da gente, talvez, seja como um rio visto sob diferentes perspectivas.

Visto da margem, dá a impressão que o rio está indo seguro, com tanta água, rumo a algum lugar certeiro.
Provavelmente o mar, como aprendemos na escola.

Do céu, vemos que não.
Olhando pela janelinha do avião, oh rio, quantas curvas inúteis, serpenteia um pouquinho melancólico.

Mas é essa a sua verdadeira natureza: errante, bonito, espontâneo e vital.



segunda-feira, 4 de maio de 2015

Contradições de um gentleman

Ele não gosta muito de pobres.
Ele não faz nenhuma questão de conhecer a parentela suburbana de sua esposa.
Ele, em seu íntimo, pensa que uma parte da população mundial deveria sim desaparecer, são muito improdutivos, não contribuem para o progresso.
Ele não gosta muito de ir em casa de velhos, o ambiente é muito baixo astral. 
Ele é o único que leva sua mãezinha na cadeira de rodas para passear e almoçar fora no domingo.

sábado, 2 de maio de 2015

Quando crescer
quero ser poeta.


Mas você já não é grande?


ainda não,
ainda não,


Bande de filles - "Garotas"

Filme belo sobre garotas negras e belas com escolhas, mas todas sem saída.

We're beautiful like diamonds in the sky - Rihanna. 


Diretora: Céline Sciamma
Atrizes lindas: Karidja Touré, Assa Sylla, Lindsay Karamoh
Avaliação: ótimo

sexta-feira, 1 de maio de 2015

Dedicatória


Este ensaio é dedicado ao homem ordinário. Herói comum. Personagem disseminada. Caminhante inumerável. Invocando, no limiar de meus relatos, o ausente que lhes dá princípio e necessidade, interrogo-me sobre o desejo cujo objeto impossível ele representa. A este oráculo que se confunde com o rumor da história, o que é que pedimos para nos fazer crer ou autorizar-nos a dizer quando lhe dedicamos a escrita que outrora se oferecia em homenagem aos deuses ou às musas inspiradoras?


Michel de Certau

A invenção do cotidiano - vol. 1 - Artes de fazer
Editora Vozes

Demais

Todos somos diferentes.
Somos insuportavelmente muitos.
Andando na rua, assistindo à televisão, comendo pão francês.

Pequenas escolhas, grandes escolhas, de cada um.
Tão diferentes.
Expectativas de ser especial - pelo menos eu - os outros também, mas menos.

Não, vocês não estão entendendo: somos muitos.
Se ao menos meu sofrimento, ou o seu, estivesse em um filme famoso, valeria a pena?

Quantas vezes se nasce e se morre e se nasce em uma mesma vida?
Quantas vezes podemos morrer e morrer? Oh, céus, como pode ser difícil.
E sendo tantos...
Será que Deus olharia pra cada um?

Quando eu era criança,
e vovó contava que papai do céu dá a mão pra gente quando a gente precisa,
eu, no escuro do quarto escuro, olhando os desenhos da madeira na porta do banheiro sob a luz fraquinha que entrava pelo corredor,
imaginava,
será que a mão de Deus tem ao menos um dedinho pra cada pessoa na Terra?
Quantos muitos dedos teria que ter...

Somos insuportavelmente muitos.


sexta-feira, 24 de abril de 2015

Drummond - Declarações à colegial que veio entrevistar-me

Também sou estudante, mas a vida fez de mim aluno repetente. Ou nasci repetente, é isso. Torno a fazer sempre o mesmo vestibular, pago invariavelmente a mesma correção monetária, e só gosto de escrever sobre as eternas mesmas coisas, que são poucas e mínimas.
Ser aluno repetente, viu? é uma forma de saber mais do que os outros, embora não sabendo nada de novo. Ou melhor, nada de nada. Se você não entende esta sabedoria canhota, nem eu. Mas dá para viver, sem as aflições e cortes do circuito do ativismo. Olhe, o gafanhoto me fascina, se pousa nesta poltrona, vindo de onde? e a viagem em redor do mundo me deixa inapetente. Nem precisa que o gafanhoto pouse. Basta figurá-lo, pensar o gafanhoto. Entro no escuro, acendo a luz: lá está ele. Também pode ser o contrário: é apagar a luz e sinto que, sutil, o gafanhoto vem me visitar.
[...]
E, pessoalmente, serei mais uma vez reprovado...
Não que eu deteste a reprovação, fique sabendo. Todas as vezes (raras) em que alguém me aprovou, experimentei uma espécie de remorso. Estava traindo a minha natureza.
[...]
Confesso que meu trabalho de ser é afetado pela necessidade de dar satisfação aos outros, seja sob a forma de deveres políticos e sociais, seja para explicar por que não admiro, digamos, os filmes de Bergman. Cercado de prazos, papéis, condicionamentos, cortesias e outros empecilhos, não sei me explicar bem. Donde os juízos críticos: É selvagem, é pueril, é espertíssimo, está escondendo alguma coisa.
A tal ponto, ouviu? que costumo procurar em toda espécie de bolsos que a gente carrega, e não encontro, aquilo que devo estar escondendo.
[...]


Carlos Drummond de Andrade
Boca de Luar


sábado, 21 de março de 2015

Uma feminista em Ribeirão Preto

Queria beber
Cerveja e fumar um cigarro.
Fui no bar Pinguim e, como diria um amigo meu, parecia encontro de casais com cristo. Caretice.
Sentei no bar ao lado, qualquer coisa da Linguiça.
Escrevo um pouco bêbada neste momento, bêbada de chopps e cigarros e lasanha congelada bolonhesa que já pedi no hotel e chegou em cinco minutos no quarto, assinei a nota, inclusive já comi.
Mesmo assim resisto e escrevo.
Na garoa, na mesa externa do bar, no meio do chopp. o cara pediu conversa. Era isso que eu contava. Ele pediu conversa e eu dei. Logo chegaram seus amigos. Fui simpática e afirmei que jamais fui petista.
Chegou Julyana, prazer, puta da vida diante do descaso de seu ficante que vive em São Paulo e só quer saber de trabalhar e ganhar dinheiro. Ela da Paraíba, vive no Rio de Janeiro. Disse ela então: nunca havia entendido porque no Sudeste existem tantas feministas; no Nordeste somos bravas e fortes e isso está resolvido; aqui não, nos tratam constantemente como filhas da puta. Gostei. Disse a ela que gostei e que também era feminista. Os homens riram desconcertados.
Convidaram-me para um churrasco. Agradeci e não fui. Tinha um encontro com a lasanha bolonhesa congelada.
No hall do hotel, um pouco sem graça, eles já atrasados, nos reencontramos inesperadamente.
O amigo do Linguiça afirmou convicto: ela não vai ao churrasco porque é vegetariana.
- Eu não sou vegetariana, nunca falei isso.
Ele se constrangeu: eu confundi feminista com vegetariana, desculpa.
-ok, te desculpo.
Peguei o elevador e subi satisfeita, apesar.


quinta-feira, 19 de março de 2015

Nunca tive a expectativa de ser uma pessoa completamente feliz, livre de angústias, leve, realizada e o que mais se possa pensar de alguém feliz, leve, realizado e sem angústias. Mas às vezes supero minhas previsões.


domingo, 15 de março de 2015

Anonimato

Tantos querem a projeção. Sem saber como esta limita a vida. Minha pequena projeção fere o meu pudor. Inclusive o que queria dizer já não posso mais. O anonimato é suave como um sonho. Eu estou precisando desse sonho. Aliás eu não queria mais escrever. Escrevo agora porque estou precisando de dinheiro. Eu queria ficar calada. Há coisas que nunca escrevi e morrerei sem tê-las escrito. Essas por dinheiro nenhum. Há um grande silêncio dentro de mim. E esse silêncio tem sido a fonte de minhas palavras. E do silêncio tem vindo o que é mais precioso que tudo: o próprio silêncio.

Clarice Lispector - A Descoberta do Mundo



História de Família

Minha história de família,
dói como uma ferida aberta,
mas não sangra mais.

Minha história é minha e só minha,
e também de minha irmã.

Tem afetos, amores, traições, abandonos, choros e loucuras.
Tem mãe, pai, cunhada, avó paterna, duas filhas.
E muitas instabilidades.

Minha história de família
à tona outra vez.
Não sei se a enfrento ou se me escondo
diante de tanto revés.

É o pai que amou a cunhada e abandonou a mãe que ficou triste quase louca, e as filhas criadas pela avó que cuidou e amou, não sem dó. É um eu que se fez assim um pouco torto e tenta ser firme mas também acha que pode ficar tonto. É muita coisa incerta e doída mas que afinal com um pouco de sensibilidade e instinto, quem sabe é que não vira poesia.


Aniversário - Álvaro de Campos


No tempo em que festejavam o dia dos meus anos, 
Eu era feliz e ninguém estava morto. 
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos, 
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos, 
Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma, 
De ser inteligente para entre a família, 
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim. 
Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças. 
Quando vim a olhar para a vida, perdera o sentido da vida. 

Sim, o que fui de suposto a mim-mesmo, 
O que fui de coração e parentesco. 
O que fui de serões de meia-província, 
O que fui de amarem-me e eu ser menino, 
O que fui — ai, meu Deus!, o que só hoje sei que fui... 
A que distância!... 
(Nem o acho... ) 
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos! 
O que eu sou hoje é como a umidade no corredor do fim da casa, 
Pondo grelado nas paredes... 
O que eu sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através das minhas lágrimas), 
O que eu sou hoje é terem vendido a casa, 
É terem morrido todos, 
É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio... 

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos ... 
Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo! 
Desejo físico da alma de se encontrar ali outra vez, 
Por uma viagem metafísica e carnal, 
Com uma dualidade de eu para mim... 
Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes! 
Vejo tudo outra vez com uma nitidez que me cega para o que há aqui... 
A mesa posta com mais lugares, com melhores desenhos na loiça, com mais copos, 
O aparador com muitas coisas — doces, frutas, o resto na sombra debaixo do alçado, 
As tias velhas, os primos diferentes, e tudo era por minha causa, 
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos... 

Pára, meu coração! 
Não penses! Deixa o pensar na cabeça! 
Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus! 
Hoje já não faço anos. 
Duro. 
Somam-se-me dias. 
Serei velho quando o for. 
Mais nada. 
Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira! ... 

O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!... 

quarta-feira, 4 de março de 2015

Homenagem confidencial à minha mãe I

Chavela Vargas - En el Ultimo Trago



"Nada me han enseñado los años
Siempre caigo en los mismos errores
Otra vez a brindar con extraños
Y a llorar por los mismos dolores"


quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

Mi nana y yo (1937)



Frida Kahlo

Casa Azul

Quando sai pela rua,
livrando-me da turba de turistas
sentia dor de barriga, e chorei.

Caminhei por Coyoacán como quem está em procissão,
e por tantos e tantos dias,
fui incapaz de escrever uma linha.

Escrevo agora.
Sentindo uma emoção feminina e piegas.
Oh Deus, oh céus, por quê?

Que memória de merda que tenho.
Tantos medos de merda que tenho.
E só essa vida comum.

Caminhando me ocorreu uma síntese de minha vida até então, e esperando que em diante também:

"Assim passei pela vida
Firme
Sensível
E melancólica."

Será suficiente?



Mis abuelos, mis padres e yo (1936)





segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Amor de mãe,
eu mãe,
amo meu menino
mais
que muito.
Amo e mimo.
Amor de eu mãe.


terça-feira, 13 de janeiro de 2015

VOCAÇÃO

Uns têm vocação para o comércio.
Outros, para a política.
Há aqueles que têm vocação para o desenho, arquitetos, artistas.
Há também os que se inclinam para a saúde, médicos, enfermeiros. 

Eu, ao que tudo indica, tenho vocação para correr atrás do rabo.


quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

Tristes Trópicos - São Paulo

"Um espírito malicioso definiu a América como uma terra que passou da barbárie à decadência sem conhecer a civilização. Poder-se-ia, com mais acerto, aplicar a fórmula às cidades do Novo Mundo: elas vão do viço à decrepitude sem parar na idade avançada."

[...]

"Para as cidades europeias, a passagem dos anos constitui uma promoção; para as americanas, a dos anos é uma decadência. Pois não são apenas construídas recentemente; são construídas para se renovarem com a mesma rapidez com que foram erguidas, quer dizer, mal."

Lévi-Strauss
Tristes Trópicos, Companhia das Letras, 2005, p.91


terça-feira, 6 de janeiro de 2015

Senhoras - Aparecida e Guadalupe

São bonitas, são festeiras, são Marias.
Uma negra, indígena a outra.
Olham pelo povo latino como ninguém mais faria. 




Nossa Senhora Aparecida
- Aparição em 1717 na região do Vale do Paraíba para pescadores no Rio Paraíba.
- Em 1930, torna-se padroeira do Brasil. Em 1953, sua festa passa a ser celebrada no dia 12 de outubro.

Nossa Senhora de Guadalupe
- Aparição em 1531 para um indígena, Juan Diego.
- 12 de dezembro é o seu dia, a maior data religiosa do México.